segunda-feira, 4 de julho de 2011

Empregados domésticos querem direitos

Maria José dos Anjos Alves, de 18 anos, afirma ter trabalhado durante quase dois anos em uma residência da cidade de Riachuelo, como empregada doméstica, limpando a casa, cuidando dos filhos da patroa, de 6h às 18h, de domingo a domingo, sem férias, sem feriados e recebendo apenas R$ 200 por mês. Hoje, fora do emprego, ela pretende ingressar na Justiça cobrando seus direitos. E, se depender das novas regras que o País pode aprovar em relação aos empregados domésticos, esses direitos serão cada vez mais amplos.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou em junho uma proposta para que os empregados domésticos passem a ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores. O Brasil deverá ratificar essa convenção, adotando as regras estipuladas. As principais mudanças incluem a obrigatoriedade de pagamento de FGTS (atualmente opcional), além da jornada máxima de trabalho de 44 horas semanais, com pagamento de horas-extras pelo tempo excedido, e ainda o adicional noturno.
O temor é que a adoção dos novos direitos venha a reduzir o mercado para os empregados domésticos e até mesmo estimular a informalidade, levando em conta que atualmente apenas 20% dos que trabalham no Rio Grande do Norte possuem carteira assinada. "Agora não vou mais me submeter a trabalhar da forma como trabalhei esse tempo, não. Agora só com os meus direitos", aponta Maria José dos Anjos.
Situações como a dela não são exceção. "Chega de tudo a nosso conhecimento. O trabalho não é 'quase' escravo, é escravo mesmo. E é assim porque os trabalhadores têm medo de vir ao sindicato, ou procurar a Justiça", lamenta o diretor financeiro do Sindicato dos Empregados Domésticos do Rio Grande do Norte, Israel Pereira. Ele acredita que possa haver uma reclamação inicial devido aos custos com as novas regras, mas não teme redução no mercado de trabalho.
A opinião não é a mesma da funcionária pública Elizabeth Cunha de Carvalho, que paga todos os direitos atualmente previstos em lei à empregada Maria José Ferreira. A dona de casa acha que muitos patrões podem terminar por abrir mão de assinar a carteira dos empregados, ou até mesmo deixar de contar com trabalhadores em tempo integral. "Ouço muitas colegas falarem que preferem ficar com diaristas."
Ela entende que os encargos podem se tornar muito "pesados" para quem contrata e será necessário o governo compensar parte dos custos extras, para incentivar a adoção de todas as regras previstas na convenção da OIT. "Acho ótimo que todos os empregados tenham direitos, mas realmente deve ficar mais pesado para quem paga e nem todo mundo tem uma condição financeira boa o suficiente pra assumir esses custos", reconhece.
Israel Pereira entende, no entanto, que a mudança nas regras não deve preocupar a categoria, já que os empregados domésticos passarão a ter um instrumento importante, inclusive, para se unirem. "O direito à liberdade de associação e à negociação coletiva, também previstas pela OIT, vão nos fortalecer." Ele lamenta que hoje muitos patrões "dêem com uma mão e tirem com outra", usando pequenos benefícios e favores como desculpa para pagar salários reduzidos. "Isso não pode ser admitido, por isso essa avanço é bem-vindo."
Procurador destaca mecanismos de fiscalização
O procurador do Trabalho Rosivaldo da Cunha Oliveira acredita que um dos principais avanços que podem ser garantidos pela adesão do Brasil à convenção da OIT é a possibilidade de fiscalizar melhor as condições de trabalho dos empregados domésticos. Hoje, os órgãos responsáveis por essa tarefa têm sua atuação limitada e muitas vezes desconhecem as situações desumanas às quais esses profissionais são submetidos.
O representante do Ministério Público do Trabalho destacou que atualmente o acesso da fiscalização às residências é impedida, devido ao preceito da inviolabilidade do lar. "A questão dos empregados domésticos é algo que nos preocupa, pois muitas vezes eles trabalham em jornadas bastante extensas, sem carteira assinada, e acabam tendo de dormir e permanecer em instalações inadequadas."
Para verificar a existência desses problemas será preciso "adentrar no ambiente residencial" e, segundo o procurador, a convenção da OIT prevê a criação de mecanismos que garantam esse tipo de fiscalização. "Por isso considero muito importante o Brasil respeitar essa convenção que assegura aos trabalhadores domésticos os mesmos benefícios dos demais. Até porque trabalhador doméstico não é menos do que ninguém", enfatizou.
O procurador admite que possa haver algumas reclamações iniciais, por parte dos patrões, mas lembra que a conquista de direitos é um avanço histórico e não pode ser negada a nenhuma categoria. Além disso, Rosivaldo Cunha destaca que os empregadores também poderão cobrar de seus empregados o cumprimento integral dos horários de serviço, dentro dos limites da nova jornada.
"A sociedade há se adequar (às novas exigências), até porque cumprir com os direitos dos trabalhadores é uma das responsabilidades do patrão", observa o procurador. Ele ressalta que nem mesmo um argumento comum dos contratantes, o de garantir ao empregado o acesso à educação, pode ser usado como desculpa para não se respeitar os demais direitos.
No caso de trabalhadores entre 16 e 18 anos, garantir as condições para que eles estudem é uma das obrigações do empregador. "E a cada dia o empregado doméstico precisa ser melhor qualificado, mais preparado.
Sendo assim, nada mais justo do que lhe assegurar os mesmos direitos dos demais trabalhadores", conclui o procurador.
Diaristas não possuem mesmos direitos
Uma modalidade diferente do trabalho doméstico, a dos diaristas, não contempla nem mesmo os direitos já garantidos aos demais. Decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm negado a existência de "relação de emprego", quando solicitada por pessoas que prestam serviços em dias descontínuos, mesmo quando se trabalha há anos em uma mesma residência.
Os diaristas são quase 30% dos trabalhadores domésticos e só têm direito ao pagamento acertado previamente com o contratante. Se quiser ter acesso aos benefícios do INSS, terá de pagar como autônomo, já que não possui relação de emprego com o patrão. De acordo com a legislação, isso só ocorreria se o serviço prestado fosse "de natureza contínua", por isso muitos magistrados têm se negado a aceitar o trabalho em dias alternados como emprego doméstico.
Há ainda divergências na jurisprudência sobre até quantos dias, por semana, poderiam ser trabalhados para um determinado contratante, sem caracterizar a relação de emprego, porém a maioria das decisões tem variado entre três e quatro. O trabalho em determinada residência de um a dois dias por semana, é normalmente aceito como de diarista; a partir de cinco é comumente admitido como emprego; já entre esses dois patamares, a classificação geralmente varia conforme o magistrado.
Fonte/Jornal de Fato

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